domingo, janeiro 25

Before Sunset

Há algum tempo descobri que meu aparelho de DVD faz um barulhinho diferente. Quando o notei pela primeira vez, prestei atenção e constatei que o som era parecido com algo que eu já conhecia. Passei um tempo pensando sobre aquilo e finalmente cheguei a uma conclusão. A princípio neguei a possibilidade e culpei minha imaginação fértil. Pensei também que o efeito poderia ser produzido por algum distúrbio no meu aparelho auditivo, mas a cada filme que eu assistia ele continuava lá, ao fundo. O barulho é idêntico [ou assim me parece] ao produzido pelas máquinas de projeção dos cinemas. Enquanto roda minha produção escolhida, meu DVD imita com perfeição o som do rolo de filme passando pela máquina.

Hoje a noite considerei o ruído providencial. Eu assistia ao filme “Before sunset”, em português “Antes do pôr-do-sol” e me senti transportado a uma sala de cinema, onde o único expectador era eu e para quem os atores falavam com exclusividade. Esta película é a continuação, de “Before sunrise”, que traduzido torna-se “Antes do sol nascer”. No primeiro desses filmes, dois jovens se conhecem em um trem que corta a Europa [meu tão querido Eurostar]. Eles resolvem descer em Viena, capital da Áustria, e lá pernoitar para se conhecerem melhor. Conversam sobre tudo e têm juntos uma noite perfeita. Antes de partirem no dia seguinte, fazem a promessa de se encontrarem naquela mesma estação dali a seis meses. Mas não é bem isso o que acontece.

“Before sunset” se passa nove anos depois e conta a história do segundo encontro de Celine e Jesse, interpretados de maneira impecável por July Delpy e Ethan Hawke respectivamente. Tudo [re]começa em uma biblioteca parisiense onde Jesse dá uma tarde de autógrafos promovendo o lançamento de seu primeiro livro. A história deste não poderia ser outra senão a daquela noite, passada em Viena. Em meio a perguntas sobre um novo best-seller, Jesse avista Celine por entre as estantes. Inevitavelmente eles se reencontram, mas Jesse tem um vôo marcado para as 22:00 e eles percebem que terão que se despedir novamente antes do sol se pôr.

Assim como no primeiro filme, em “Before sunset” Celine e Jesse parecem manter um diálogo ininterrupto. Caminham por parques, sobem escadas, andam de barco e de carro, mas estão sempre conversando sem nunca perder o fio da meada. Eles falam de tudo; sobre o que cada um deles se tornou, o que fizeram nesses nove anos, suas crenças, suas experiências, o modo particular de cada um ver a vida e em especial a noite em Viena. Jesse é um escritor bem sucedido, casado e tem um filho de 4 anos. Sua união é instável e ele admite que casou-se por na época sua mulher estar grávida. Verdadeiramente ele não a ama. Já Celine trabalha para a Cruz Verde e combate a degradação ambiental. Depois de vários romances mal-sucedidos ela agora namora um fotógrafo de guerras que está sempre viajando para cobrir algum conflito. Mas a pergunta que fica é: verdadeiramente, ela o ama? Entre reflexões e reminiscências, o casal percebe que ambos ganharam e perderam mais do que poderiam imaginar quando decidiram pular daquele trem na Áustria e constatam que a vida poderia ter sido muito diferente se tivessem cumprido a promessa da estação.

Para mim torna-se um pouco difícil caracterizar toda a grandeza desse filme. A relação entre os temas abordados, a mescla de sentimentos envolvidos e a naturalidade da conversa entre Jesse e Celine é de uma perfeição raras vezes vista em Hollywood. É como apreciar uma obra de arte em movimento. Você consegue vê-la mexer-se, falar e com suas frases ela te leva a profundas reflexões, mas na verdade tudo o que você quer é observar e deleitar-se com a beleza que se desenrola diante de seus olhos. “Before sunset” é um romance estupendo, mas em nenhum momento chega a ser água-com-açúcar. As emoções que se desenrolam são teatralmente arquitetadas e levam a um final quase palpável.

Literalmente leva-se um susto quando começam os créditos finais pois é impensável acreditar que já acabou. Entretanto, a descrição de Jesse para seu livro serve perfeitamente para o fim dessa produção: “Os românticos acham que eles ficaram juntos, os cínicos acham que não e os indecisos por não terem certeza, perguntam. O certo é que responder a isso acabaria com todo o suspense”.

Melhor do que eu poderia concluir!