Voltando de viagem, olho pela janela do carro e avisto verdes plantações que passam rapidamente. Ainda temos muitas horas de estrada até chegar em casa. Sabendo disso, liberto meus pensamentos e deixo-os vagar livres pelo mundo.
Pouco a pouco, versos de uma música vão surgindo. A eles, junta-se não minha voz, mas sim a do cantor que os interpreta. As partes mais conhecidas são repetidas durante algum tempo, mas depois, a melodia decide que quer ir embora; e vai.
Velhas lembranças começam a preencher o vazio deixado pela música, deixo-me ser levado por elas... As cenas que se desenrolam são várias e retratam o ano de 2002. Vejo-me com meu corpo de 12 anos. Magrinho, alto, usando uniforme; comum. Estou na sala de aula da 7ª A no CEF 08, no meio de uma aula de matemática. Acabei de ganhar uma grande maçã vermelha de uma garota que eu conhecia somente há alguns dias. A princípio eu penso “Aí tem coisa! Por que ela me deu isso? Será que ela acha que eu passo fome? Ou essa maçã caiu no chão e ela não quis mais comer?” Decido arriscar e como a fruta. Estava normal... nem doce nem azeda, nem dura nem mole demais. Alheio á aula e ao que se passava na sala, não percebo o sinal anunciando o intervalo. Sou arrancado dos meus devaneios por uma explosão de risadas. Quando percebo, meus outros colegas de classe estavam às gargalhadas por eu ter ganhado uma maçã de presente. Não me lembro bem o que eles falavam, mas tive a absoluta certeza de que havia o dedo daquela menina Nathália nisso tudo. Era essa afinal sua intenção ao dar-me aquilo? Não perguntei, naquele momento eu não queria saber. Só o que me vinha a mente era sair dali. Eis o que fiz: fechei a cara e fui para o intervalo.
A lembrança se desvanece e outra assume seu lugar. Estou na mesma sala, porém o clima é bem diferente. Agora mantenho uma acalorada conversa com Nathália. O incidente da maçã parece superado. Falamos sobre alguns livros do Pedro Bandeira, e eu me espanto ao perceber que ela também conhece os karas. Ao que parece, ela é tão fã deles quanto eu, se não mais. À medida que conversamos descubro que ela também gosta de Harry Potter e que já havia lido dois livros dele. É tão fácil conversar com ela sobre qualquer assunto que isso chega a me espantar. De repente, a compreensão me atinge e percebo que estamos nos tornando amigos. Conosco, está também uma outra menina chamada Drielle. O mundo inteiro vê em seu rosto que ela não gosta de mim. Drielle se tornou amiga de Nathália muito mais rápido do que eu e a empatia entre elas era clara.
Acontece novamente uma mudança de cenário. Estamos na aula de Educação Física, e por alguma razão fazemos uma competição de pulo com cordas individuais. Nós três nos alternamos em uma única corda. Tento conter minha irritação, mas não consigo. A cada erro meu Drielle parece receber a notícia de que o natal estava chegando mais cedo e não se preocupa em esconder um sorriso. Nathália está tranqüila e tenta apaziguar os ânimos. Ela usa um tênis rosa muito singular por assim dizer. Um outro menino chamado Vítor também brinca com a gente. Eu não gostava dele de forma alguma, e ao menos nisso Drielle parece concordar comigo. Ela também o detesta. Acaba a aula e nos encaminhamos para os bebedouros. As duas garotas caminham a minha frente falando baixo. Ultimamente elas vivem cochichando ou passando bilhetinhos uma para a outra. Eu me sinto claramente excluído, mas elas não parecem se importar muito. Escuto por alto que Drielle irá à casa de Nathália depois da escola. Hoje eu as seguiria, mas para não gerar acusações preferi dizer que as faria companhia.
Muitas e muitas lembranças se seguem a estas pois ao longo de 7 anos nos tornamos inseparáveis. Drielle finalmente conseguiu me aceitar como amigo e em 2004 descobrimos que nossas gritantes diferenças são ideais para a amizade única que conseguimos desenvolver. Hoje em dia nos tratamos como irmãos. Eu e Nathália passamos por tantos altos e baixos que chega a ser difícil de listar. Mas como eu bem gosto de dizer a ela, isso só prova que nossa amizade é forte e consegue superar tudo. Elas duas nunca tiveram grandes desentendimentos, e fortaleceram seus laços fraternais com o passar do tempo...
Lentamente, volto a mim e percebo que o carro está desacelerando. Com uma pergunta, descubro que vamos parar em algum lugar para lanchar. Começo a recolher meus pensamentos para não esquecer nenhum. Centenas de quilômetros ainda nos separam de nosso destino final, mas mesmo assim dou um leve sorriso. Os outros passageiros, todos da minha família, não entendem minha satisfação. Eu poderia explicar a eles, porém deixo para outra ocasião. Naquele momento eles não sabem, mas meu sorriso era apenas uma faísca do sol de alegria que brilhava em meu coração. Ele é continuamente alimentado pela amizade e pela compreensão de que verdadeiros amigos estão sempre juntos, não importa onde estejam.